quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Brisas de Cabo Frio



Há poucas semanas recebi uma mensagem eletrônica cerimoniosa, querendo saber eu como estava, manifestando uma preocupação e a vontade de me ver, para se ter certeza de que estaria bem. A remetente era alguém bem próximo, que não precisaria de modo algum ter tanta cautela naquela abordagem. Mais do que vizinha de meus avós, foi grande amiga de minha mãe desde a mais tenra infância, é madrinha de batismo de um dos meus irmãos, é mãe (de fato) de um amigo da vida inteira, a quem seria capaz de dever meus rins (1), é advogada brilhante a quem recorremos desde a primeira até a última hora, para as mais diversas questões, jurídicas ou nem tanto, etc... Enfim, alguém que se não tem proximidade sanguínea, está de fato muito mais próxima do que isso, está dentro dos nossos corações.

A casa de meus avós ficava numa pacata rua da Tijuca. Nos anos 70, por conta das obras de construção do Metrô, esta rua se tornou uma via sem saída, portanto ainda mais tranqüila, e acessível por meio de uma extendida alça viária que passava pelo Maracanã (estádio, bairro e boa parte do rio), pelo malfadado quartel da PE (2), pela antiga Fábrica da Cervejaria Brahma (3), pelo posto de gasolina do “Sheik” (4), pela “Praça dos Bodinhos”(5), retornando quase lá na Muda (6). Assim como acontece hoje, naquela época, uma obra do Metrô contemplava todos os transtornos possíveis, e se arrastava por vários anos e governos.

Ainda que tenha vivido 46 dos meus 48 anos em Botafogo (e não Humaitá!) (7), me considero no mínimo em 50 %, um Tijucano, dado a longa e rica convivência que tive com este tradicional bairro da cidade.

A casa de meus avós datava dos anos 40, em estilo art déco, revestida em “pó-de-pedra” (8), fora construída pela empresa Pires e Santos (muito renomada, segundo a minha avó dizia)”. Ela era limítrofe com a do meu amigo e ficava em nível ligeiramente acima, algo como uns 80 centímetros. O muro que dividia as casas era feito de um material que lembrava os pré-moldados tão usados hoje em dia, e por alguma razão tinha uma tendência a apresentar trincas e orifícios, que para meu desgosto eram rotineiramente remendados, tão logo eram descobertos pela minha avó. Era pelos mesmos que era viabilizado o intercâmbio de brinquedos entre os amigos, como por exemplo, os carrinhos em miniatura “Match-Box” (me recuso a fazer o link com o fabricante atual, porque nada do que produzem me remete aos meus queridos brinquedos). Também a baixa altura e espessura dos muros viabilizava uma conversa rotineira, em breves palavras ou nem tanto, num método simples e eficiente, em tempos em que o telefone era um objeto único na casa, confeccionado em um estranho material de cor preta, e que ficava literalmente “amarrado” a um canto único da residência, tradicionalmente sobre uma pequena mesa, e em frente a uma cadeira destinada a quem fosse se utilizar do equipamento, o que transformava o ato de telefonar, em uma atividade quase solene: “vou ali dar um telefonema! (ou uma telefonema, como diziam alguns)”.

Sendo assim, embalada pelas conversas por sobre os muros, em gesto curiosamente idêntico ao da geração anterior (9), pelo intercâmbio das novidades, seguiu-se uma amizade que já dura uma vida inteira, renovada sempre, por gestos ora distintos, mas tão fortes e sinceros como sempre foram.

Atualmente não há sinais do Metrô por perto da rua de meus avós, mas sabemos que ali por baixo encontra-se o denominado “Rabicho da Tijuca”, onde imagino que os trens manobrem e/ou se recolhem ao fim do dia. Há tempos não vou por lá, mas acho que muito mudou. Não existem mais as “Lojas Brasileiras (Lobrás)”, a Hobby Sport (nem o Maeda ou a pista de autorama), a “Rotação Discos” (não seria esta modesta loja que resistiria as tendências atuais), as “Casas da Banha”, etc...

Para encerrar tantas boas e emocionadas reminiscências, explico o motivo do título deste texto. Nada tem a ver com a cidade da Região dos Lagos. Também não é uma alusão a amenas experiências climáticas tão raras no Rio de outrora (ainda mais na Tijuca) e tanto mais nos dias de hoje. Tem sim um pouco a ver com a situação geográfica onde passei tantos bons momentos da minha vida. Mas mais do que tudo, me refiro a uma marca indelével que carrego na alma, talvez perceptível a um grupo restrito de pessoas que vivenciaram parte ou muito do mesmo que vivi. Voltando ao encontro solicitado pela grande amiga da família, mencionado no primeiro parágrafo, quando manifestada a preocupação sobre o meu estado atual, eu repeti com emoção, mas com a devida ênfase: “Fique tranqüila, sinto um dor lancinante, todas as horas e dias dos últimos vários meses, mas da mesma forma, sinto a todo tempo, a “Brisa da Visconde de Cabo Frio”! Ela, mais do que eu, sabe o quanto isto representa. Do almoço, seguimos o curso dos nossos dias, emocionados, certamente, mas na devida paz.


Referências:

Peço desculpas pela quantidade de referências numeradas. De repente me esqueci que não estava escrevendo um artigo científico, mas um descompromissado texto do meu blog pessoal, mas já era tarde.


(1) Para declarar a gratidão que devo ao amigo, pela devotada amizade, destacando particularmente um conjunto de gestos feitos no ano de 2002, repito sempre que seria capaz de lhe doar um rim, caso por ventura precisasse do mesmo algum dia. E ainda, sem precisar de incentivo alcoólico, seria capaz de avançar na promessa de disponibilizar-lhe o segundo órgão, o que naturalmente me levaria a lançar mão de recursos tecnológicos, para poder seguir nesta lida. Devo a ele também, um pedido de desculpas, ainda que em nome de outra pessoa e sem procuração constituída, por constrangimentos absolutamente descabidos.

(2) Quartel da Polícia do Exército: local integrante da genérica denominação de “Porões da Ditadura”, associado a barbaridades como por exemplo o Atentado do Riocentro, durante o Show 1º. De Maio, em 1981.

(3) Onde hoje funciona o Hipermercado Extra;

(4) Famoso personagem do bairro que usava um turbante e vendia doces como cocadas, pés-de-moleque ou doces de leite. Não sei seria um mito, mas tam
bém lhe atribuíam atuação na venda de produtos de outros segmentos, causadores de outras formas de deleite;

(5) Praça Xavier de Brito, onde até hoje é possível se alugar charretes puxadas por bodes (no máximo para crianças leves, por favor!);

(6) Muda: sub-bairro da Tijuca, tem este nome porque ali eram trocados os animais que puxavam os bondes, para dali seguirem para o Alto da Boa Vista;

(7) Humaitá: por razões pra mim pouco justificáveis, se atribui um maior “glamour” a este bairro, sem tradição alguma, praticamente restrito a uma larga e ensurdecedora avenida (o que inclui a guarnição do Corpo de Bombeiros, não se esqueçam!). Por conta disso, alguns puxam pra lá, a borda do bairro,para se sentirem incluídos no mesmo, o que acho que lhes acrescentam quase nada, além de uma maior alíquota de IPTU, naturalmente.

(8) http://www.artdecobrasil.com/materias/caderno_ela.pdf

(9) “Dutinho, posso ir aí?”; “Lelena, quer vir aqui?”; “Tavinho, tô indo aí, tá?;

Um comentário:

  1. Que coincidência!... Sou português, neto de uma carioca. Encontro-me de férias no Rio e decobri ontem que minha avó, quando casou era moradora na Rua Visconde de Cabo Frio n.º 24, penso que por ser essa a residência de sua tia materna com quem vivia desde a morte prematura de meus bisavós. Hoje mesmo fui visitar a dita rua mas infelizmente no lugar da casa existe agora um edifício completamente novo. Permanece porém o ambiente bucólico de um Rio de Janeiro diferente. Creio que até ao final da década de 70, a casa ainda teria sido habitada por D. Amélia de Campos Amaral, irmã desta minha avó que aí poderá ter vivido com sua filha e minha prima Maria José. A tudo isto acresce o facto dos traços da senhora da foto me recordarem traços de minha avó e de minha mãe. Será simples coincidência? Ainda assim presumo que o senhor possa ter memória destes meus familiares e, se assim for adoraria obter mais informações com o sentido de reencontrar a minha prima Maria José! Vou estar no Rio até 6ª feira dia 8 de Março, caso tenha alguma novidade ficar-lhe-ei muito grato se me puder contactar para: jpro1955@gmail.com. Atenciosamente José Rocha de Oliveira

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