domingo, 13 de março de 2011

Tratado Geral dos Chatos (capítulo 1/ ∞)


Na década de 60, Guilherme Figueiredo, irmão do "simpático" presidente que tão tarde partiu nossa história, escreveu o livro "Tratado Geral do Chatos". Era uma tentativa de classificação desta praga que nos cerca e persegue por toda a vida e cuja sua presença implacável é quase tão inevitável como as leis da física (1). Eu anseio que a companhia da mesma se interrompa na chegada ao Éden (aos merecedores desta oportunidade), mas que se mantenha implacavelmente aos direcionados ao Purgatório, e que por isso mesmo, merecem mais esta punição. Voltando ao autor, ele falava do chato bêbado, do galanteador, do que faz pegadinhas, do chato Catlítico, do Vivissectólogo, do Tartufoclocos, dos Ofertantes, dos Postulantes, dos Catequéticos, Pirotécnicos, Faisões, etc., e por aí se segue neste ensaio de definições. Quando menciono o termo "tentativa de classificação", é porque este ser nunca será plenamente compreendido, classificado ou tolerado pela humanidade. Mais uma vez retornando a Figueiredo, ainda que reconheça a sua diferença cultural e intelectual, em relação a seu irmão ( o que cá pra nós, não chegava a ser nenhum graaande diferencial !), nunca alimentei simpatia pelo mesmo. E não posso deixar de me alinhar ao meu pai, por conta de um descabido e injusto litígio entre as partes, ainda que há décadas atrás, lembrando da brilhante defesa feita por uma grande amiga, ainda estudante na época, e hoje brilhante advogada.

Mais de 20 anos depois do lançamento do "Tratado", quando estava na faculdade (por coincidência a mesma que Figueiredo era reitor), aprendi que chato era o nome popular dado ao Pthirus pubis, agente etiológico da ftiríase ou pediculose pubiana. Para facilitar a compreensão de todos, digo que é o que na linguagem popular se chama de piolho. Só que neste caso particular, a espécie que tem predileção pelos cabelos localizados nos "países baixos" (apelando ao coloquial novamente!). Agora vai entender um bicho que gosta de ficar grudado a vida inteira nos nossos fios de cabelo, e mais ainda tente compreender a preferência por pelos mais abafados e mais odorizados? Não sei quem nasceu primeiro, se foi o ovo ou a galinha, se o bicho tem a alcunha de chato porque incomoda muito ou se o chato é assim chamado por lembrar o incomodo causado pelo parasita. Ou seja, o chato original seria o bicho que raramente (na prática médica não cheguei a tratar ou diagnosticar nenhum caso) afeta os humanos, ou o espécime "humano" (as vezes nem tanto) que nos circunda em 360 graus, nos 360 dias do ano? Eu apostaria na 2a. hipótese, até por uma questão de justiça, no confronto entre aquele que só conheci nos livros, contra os demais, onipresentes, ao longo de toda a nossa existência. Pode estar aí a primeira tentativa de definição deste ser em questão. Aliás, para não perder o gancho, lembro que "pentelho" é sinônimo de chato, não o bicho parasita, mas o ser que se apresenta insuportável em todo o sempre.

Os tempos de globalização, aquecimento global, etc., vieram acompanhados dos Eco-chatos, dos Eno-chatos, dos chatos Wally (com o dom da onipresença), etc... Há de se dar destaque nos dias de hoje, aos chatos internéticos. Eles merecem uma categoria especial com várias subdivisões: 1- Os Orkuchatos, que nos acham depois de tantos anos em que buscamos paz e esquecimento, os que nos mostram fotos da festa de 1 ano da neta, do batizado do filho do concunhado do porteiro, etc...2- Facebookochatos: condição em fervilhante emergência, daqueles que nos convidam para joguinhos de fazenda, nos incluem em enquetes estranhas, etc. 3- Os Emailchatos hecatômbicos que nos aterrorizam quanto a seringas em cadeiras de cinema, aditivos alimentares que nos envenenaram em todas as refeições que fizemos até hoje, sobre virus de computadores que arruinarão as nossas vidas, etc... 4- Emailchatos poliânicos, que nos enviam emails
com correntes, falando da beleza e pureza da vida, etc... Outras formas se sucederão, certamente, muito além da nossa existência. Não acredito na possibilidade de extinção da espécie, e acredito que até mesmo resistiriam a tragédias nucleares, tal qual as baratas, estes seres inúteis e nojentos que também nos cercam. Quem sabe esta dobradinha pós apocalipse não venha a ser obra do criador, reunindo ao final dos tempos, aqueles seres que de fato tanto se mereceram, e que portanto, talvez se bastem.

Recentemente tive uma experiência emblemática de convivência com um chato +++++/+++++ (2). Isto aconteceu durante um evento anual que proporciono em minha casa, no meio do Carnaval, quando um grande bloco passa em frente a minha porta. O evento é organizado com esmero, no que diz respeito a cardápio, decoração, etc...Mas como pede o período momesco, a temperatura da época, o espírito carioca, a personalidade do anfitrião, etc., o evento é obviamente informal ao ponto de não se ter uma lista de convidados, de ser aberta a penetras de até 4 ou mais gerações (o convidado, do convidado, do convidado, etc...), de ter frequência absolutamente eclética (Ex.: porteiros, atrizes globais, presidenciáveis, músicos/DJs da moda), etc... Ms ainda assim, para endossar tudo o que falamos acima, é possível se receber neste destes, a visita de um verdadeiro "ET", acompanhado, capaz de feitos inacreditáveis. Um cara que traz uma garrafa de ... "Mateus Rosé"... ABERTA(!!!) (3), e uma mãe eco-chata, capaz de, em meio ao furor carnavalesco, dezenas de convidados, e a correria insana do anfitrião, perguntar onde ficava ... o lixo orgânico! Juro que a concomitância da liberdade etílica, com a pergunta cretina e a garrafinha bojuda, me suscitou o desejo de proferir um conhecido impropério, mas felizmente a elegância venceu e o exemplar escapou desta chinelada.

Acho que as lembranças descritas no parágrafo anterior esgotam por hoje a minha vontade de falar sobre o tema, mas mantém a minha convicção da inesgotabilidade do assunto. Até breve !

(1) 1a. Lei de Newton (Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uniformiter in directum, nisi quatenus a viribus impressis cogitur statum illum mutare.Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uniformiter in directum, nisi quatenus a viribus impressis cogitur statum illum mutare.): Lei da Inércia. Evitar o incômodo de um chato, é tão fácil quanto não derrubar um cafezinho se o ônibus de turismo em que você viaja, der uma mega freada, por conta da barbeiragem (de um chato, naturalmente), feita a sua frente. 2a. Lei de Newton (Mutationem motis proportionalem esse vi motrici impressae, etfieri secundum lineam rectam qua vis illa imprimitur): Princípio Fundamental da Dinâmica. Preciso estudar mais um pouquinho pra entendê-la e correlacioná-la aos chatos. Mas desde já reafirmo a convicção de vínculo absoluto entre as partes. 3a. Lei de Newton (Actioni contrariam semper et aequalem esse reactionem: sine corporum duorum actiones in se mutuo semper esse aequales et in partes contrarias dirigi.): Princípio da Ação e Reação. Aplicando a realidade que estamos abordando, podemos dizer que a força de uma chatisse é igual e de sentido contrário a ira e salivação de ódio desencadeada pela mesma. Outras leis da física podem ter analogia com a força da presença do Chato.

(2) Em laboratórios médicos, se usa habitualmente, em vários tipos de exames, um método semi-quantitativo, classificando em cruzes (+) a quantidade de elementos encontrados em uma amostra analisada, em relação a uma quantidade máxima possível.

(3) Lá pelos anos 70 e 80, bem antes da "abertura do mercado", e antes ainda desta febre de apreciação de vinhos (lembrando que ela trouxe junto os eno-chatos), não haviam opções razoáveis de vinhos neste país, o que nos fazia apreciar inacreditáveis porcarias, compradas em garrafas azuis, de estranho formato, ou de nauseante doçura, ainda que com pomposos nomes, como os de "chateauxs" muito "legítimos", supostamente situados no sul deste pais. Um dos destaques que me lembro da época, era o Mateus Rosé. Com garrafa diferente, gordinha embaixo, importado, e naturalmente caro, era pra se pedir em um restaurante chique, ou pra se fazer bonito na frente de uma menina, num local romântico, como o "Existe um Lugar" (4), ao som do "Terra Molhada"(5). Enfim, um programa brega, da bebida ao áudio, e possivelmente passando pela companhia.

(4) No tempo que o Alto da Boa Vista era frequentável, mas já perto do fim desta época, justiça seja feita, havia um bar no meio da mata, que tinha sempre o mesmo show;

(5) Conhecida banda cover dos Beatles, sempre precedida de um conjunto chamado "Analfa"