quarta-feira, 21 de março de 2012

O buraco do Prof. Monteiro


Um dia, há muitos anos atrás, observei que no hospital em que trabalho, havia um buraco redondo numa parede próxima ao hall de entrada, pouco acima da porta do elevador. Esta foi provavelmente uma observação rara, digna de um adepto/adicto de construções centenárias. Muitos outros jamais devem ter reparado naquilo, e menos ainda tentado entender a razão da sua existência.
O hospital, que funciona numa antiga região da cidade, tem um belíssimo e antigo prédio, que fica a frente dos demais que compõem o conjunto. Ele já foi cenário de locação de novela, do foco de tantas lentes (incluindo as minhas), as cores de iluminação de sua fachada homenageiam datas especiais, etc...
Mas, voltando ao buraco, e estimulando a minha verve futucadora, na época da minha descoberta, fui atrás da explicação para o mesmo. Soube então, que em certa ocasião, datada de uns 60-70 anos atrás, um professor, médico, cirurgião e claustrofóbico (1), ao se ver aprisionado no elevador enguiçado e certamente sem acesso a recursos de resolução mais imediatos (Ex.: equipe de manutenção 7x24, para aqueles tipos de "modernidades"), ordenou que fosse feito o rombo na parede no prédio, viabilizando assim a sua escapada. Provavelmente pela importância do acidentado, e pelo risco da necessidade de novas intervenções, o buraco foi mantido aberto, e assim permanece até os dias de hoje. Sem poder "obter a linha do tempo" (ou mesmo desejá-la - permita-me FB, please!) dos acontecimentos que se sucederam, resta-me exercitar a criatividade para dar seguimento nesta história do buraco. E assim, a minha fantasia construiu uma versão, que creio não seja absolutamente delirante, e que descrevo a seguir:

Uma vez superado o trauma de sua clausura, certamente efêmera, e passado alguns poucos anos, o Prof. Monteiro se aposentara lá por meados dos anos 60. Substituiu-o, o Prof. X, um dos seus assessores imediatos, cidadão muito ligado ao lado social da medicina, idealista e politizado. Os anos cinzas da ditadura militar levaram-no a cassação profissional pelo regime político vigente, na época muito atento aos ambientes universitários. E assim, o Prof. "Y", o sucedeu. Nos anos 70, com a inauguração da Cidade Universitária, "Y" foi substituído por "Z", uma vez que o primeiro se recusara a se mudar para lugar tão longínquo (2). Em 1994, "Z" morreu num assalto na recém inaugurada Linha Vermelha, num episódio bastante lamentado na época. "W", o primeiro da fila sucessória, assumiu chefia da cátedra, e lá se encontra até os dias de hoje. Numa prova de resistência, perseverança e sorte, este "Joseph Climbert" da área médica (3), sobreviveu as idas e vindas diárias pela perigosa via expressa, a implosão da "perna seca" do bloco hospitalar, e (muito) recentemente, aos escândalos de corrupção nos processo licitatórios da UFRJ. Caminhando na linha do tempo, "W" que há muito milita nas profundezas da baía de Guanabara, possivelmente desconhece quem antecedeu a "X", provavelmente nunca observou o buraco no Hospital Moncorvo Filho (ainda que este contemple uma unidade de atendimento da Universidade em que trabalha), e certamente não tem noção do que ocasionou o referido rombo. Não apenas "W", mas certamente quase todos os que ainda frequentam aquela casa, nunca repararam ou imaginaram uma explicação para aquele curioso e inútil adorno.

Depois de tantas reminiscências e exercício imaginativo, chego então, ao objetivo maior destas linhas. Minhas vivências corporativas mais recentes, e um tanto mais as experiências atuais, me induzem a tentar trazer a valor presente, e seguindo a "linha do tempo" (andando para trás ou para frente, isto não importa), os possíveis valores simbólicos do "Buraco do Prof. Monteiro". Acho que não podemos perder estas oportunidades que esta vida nos dá! E assim, entendo que o orifício possa ter algumas interpretações metafóricas. Numa primeira delas, eu o correlacionaria a um símbolo de poder, onde significaria, o espaço hierárquico que cada um que se considere elegível a "Prof. Monteiro", com suas inerentes, justas ou imaginadas prerrogativas, poderia, deveria, ou acharia que merecia ter. O contracheque, e seus "vultosos" adicionais, seriam um respaldo delirante para estas expectativas. Não atendidos quaisquer dos requisitos anteriores, restaria ao candidato, reações mais rudimentares, como a arrogância, a histeria, ou mesmo o grito tribal, ciente que como diz a cultura popular, no grito muito se leva... Tentando trazer um exemplo prático para esta primeira possibilidade, imagino que um servente, terceirizado ou não, de empresa fraudulenta ou não (se é que esta última existe!), um outro subalterno qualquer, ou alguém com menor titulação (real ou não), jamais teria o direito de pleitear tamanha intervenção predial, e deveria naturalmente, aguardar o tempo necessário para o reparo do elevador, sem direito maior a reclamações.

Uma segunda possivel interpretação para o "buraco", seria a geográfica, espacial. Nesta esfera, imaginamos as demandas por espaços exclusivos (salas de trabalho ou de reunião exclusivas, banheiros, etc...), reformas dos espaços, aquisição de mobiliários (mesas, sofás, etc...), contratação de serviçais, e assim por diante. Não se deve jamais considerar neste caso, futilidades como a finitude de recursos, taxas de ociosidade, produtividade, conforto do cliente (objeto maior da nossa existência), ou os valores dos espaços em uma preciosa área do Rio de Janeiro, etc...

É possível que sem precisar puxar muito pela cabeça, continuemos nas interpretações, as mais diversas... Mas é certo, que o custo (direto ou indireto) de qualquer uma destas tende a ser devastador, sorvendo assim, recursos e impostos, e atingindo de forma inevitável e dolorosa os pacientes... E, se assim for, o buraco é mais embaixo...






(1) professor + médico + cirurgião + claustrofóbico = SOCORRO !!

(2) Este gesto de rebeldia, me remonta a 1960, quando tantos fugiram da migração do funcionalismo para o Planalto Central. Mas cá entre nós, desbravar um lugar inóspito, ainda que com o nome de "Fundão", não poderia ser considerado pior do que ir morar em Brasília!!!

(3) Joseph Climbert: impagável personagem do grupo "Os melhores do mundo". Se quiser conhecer a saga e determinação deste impagável personagem, clique em: